domingo, junho 05, 2005

Parte 1: A viagem

O início da jornada


Eu, o Renzo e o Fernando, ainda no aeroporto

Na manhã do dia 14/05, sábado, pegamos o avião em Guarulhos, com destino à Bolívia. Seis horas - e uma inusitada conexão no Paraguai - depois, chegávamos à gloriosa cidade de Cochabamba, na Bolívia. Já na decida do avião, o primeiro susto. O aeroporto de Cochabamba parecia um quartel militar, com soldados armados espalhados até pela pista de pouso. Sabíamos que a situação política na Bolívia estava delicada, mas não que estava nesse ponto.

Mas a segurança na entrada ao país se restringe aos militares vigiando o aeroporto. Ao passar pela imigração, entregamos nossos passaportes ao funcionário-carimbador-de-passaportes, que não checou nem foto nem nome. Apenas deu seu visto e nos mandou adiante. Nem pediu a carteirinha internacional de vacinação contra febre, que tanto trabalho tivemos para conseguir.

Como nosso objetivo era chegar a Cusco o mais rápido possível, procuramos um hotel bem barato para passar a noite e já na manhã de domingo seguimos de ônibus para La Paz.

Estando Cochabamba numa planície, a 2500 m de altitude, e La Paz já está no alto dos Andes, a 3600 m acima do nível do mar, nessa viagem começamos a sentir os primeiros sintomas do soroche, ou mal das alturas. Nada grave: Apenas um pouco de dor de cabeça, facilmente eliminada com um simples controle da respiração e evitando-se movimentos exagerados.

Por volta da hora do almoço o ônibus parou numa pequena comunidade ao lado da estrada, onde todos os bolivianos do ônibus, incluindo o motorista e seus ajudantes, desceram em busca da gororoba não-identificável da foto abaixo. Só deu pra ver que se tratavam de pedaços de carne cozidos num tacho de metal. A vendedora, uma simpática senhora com feições indígenas, servia a todos recolhendo os pedaços escolhidos pelos clientes com as próprias mãos e colocando-os num saco plástico. Se o cliente queria um naco de pele que estava lá no fundo do tacho, não era problema. Bastava enfiar os braços até o cotovelo no meio dos restos mortais do pobre bicho, dar uma remexida, tirar o pedaço desejado e no final dar aquela lambida nas mãos gordurentas. Às vezes algum cliente se exaltava e pegava ele mesmo o que queria, com suas mãozinhas limpas de viajante de ônibus.

15 minutos depois e embarcam novamente todos os nossos companheiros, cada um trazendo seu perfumado saquinho de carne cozida, para ser apreciado durante a viagem.


O almoço dos viajantes bolívianos

Oito horas depos de sair de Cochabamba chegamos a La Paz.

La Paz

A primeira observação sobre La Paz é que ela não faz jus ao nome. Aquilo é um inferno. O trânsito é caótico. Assusta até paulistano. Todas as ruas são de mão dupla, ou pelo menos são assim na prática. Pára-se em qualquer lugar da rua, em qualquer posição e a qualquer momento. Faixas de pedestre, não há. Atravesse a rua por sua conta e risco.



La Paz

E tem as buzinas! Buzina-se por todo e qualquer motivo, e a todo instante. Vi um motorista passar buzinando por uma rua praticamente deserta, a noite. Os taxistas são os principais contribuintes para essa poluição sonora, já que praticamente nenhum deles possui ponto fixo e passam o dia rodando as ruas da cidade, caçando passageiros. Qualquer criatura caminhando sobre uma calçada é um potencial cliente e recebe chamados sonoros de todos os taxistas nas redondezas. Felizmente os brasileiros ainda não exportaram para a Bolívia a moda das buzinas com som de berro de boi.

Em La Paz ficamos no Hostel Estrella Andina. Excelente local, no centro da cidade, próximo da rodoviária (Nosso objetivo também era ficar apenas uma noite). O preço era um pouco salgado, em comparação ao resto do país: 10 dólares por pessoa, mas valeu a pena.


Hostel Estrella Andina

Em La Paz surge o primeiro problema devido à instabilidade política do país: Manifestantes estavam fechando as estradas que ligam a cidade ao interior e os horários dos ônibus foram antecipados para evitar os bloqueios. Mais uma vez acordamos às 4 da manhã (Que férias!) e fomos até a rodoviária, pegar nossa condução para Cusco.

Antes do ônibus sair já rolou o primeiro estresse com um grupo de alemães, pois a agência de viagens tinha vendido a mesma poltrona para várias pessoas. Depois de uma pequena discussão, onde ninguém entendia ninguém, mudei de lugar. Por uma incrível coincidência, sentei ao lado de um colombiano que voltava do Brasil. Mais precisamente de Carmo da Cachoeira, sul de MG. Ou seja, praticamente meu ex-vizinho! Assim, ganhei um guia grátis durante a viagem.

A grande decepção com as viagens de ônibus na Bolívia e no Peru é que os ônibus eram absolutamente normais. Nada das míticas cabras e galinhas sendo transportadas no meio dos passageiros. No máximo umas famílias de camponeses que viajavam nos compartimentos de bagagens. Mas isso acontece no Brasil também. Aliás, os ônibus eram exatamente iguais aos interestaduais brasileiros. Tinham até banheiro. Com um providencial aviso colado na porta: "Apenas para urinar".

Claro, não havia cabras para empestear o ambiente, mas havia os alemães, que as substituíram com louvor. Esses não deviam tomar banho desde que saíram da Europa.Tinha um dormindo ao meu lado, no corredor, pois tinha ficado sem assento na briga pelas poltronas. Esse fedia! Cada vez que o cara se mexia subia aquele futum infernal.

Cerca de 1 hora depois de sair de La Paz chegamos ao Titicaca. De longe é lindo: Um mar azul de água doce, a 3500 m de altitude. Mas de perto percebe-se o quanto é sujo, principalmente perto das regiões povoadas, onde a água é coberta de espuma e de animais mortos.


Titicaca, já no Peru: O maior esgoto a céu aberto do mundo

Durante o caminho meu guia tirou um saco de folhas de coca da bolsa e começou a aula. Para se conseguir o efeito desejado (Eliminar o soroche, que fique bem claro. Eles ficam realmente bravos quando se associa a planta sagrada deles à cocaína), deve-se mascar o equivalente a uma mão cheia de folhas. Aos poucos, claro. Tem-se que formar uma pequena bolota de folhas mascadas no canto da boca e deixar o suco escorrer. Aí entra a parte viajante da história: O caldo da folha atravessa uns "canais" sobre a língua e é enviado a todo o corpo, onde "desestrutura" alguma coisa dentro das células, eliminando as impurezas e, de bandeja, o soroche. E esse era apenas o efeito físico da folha! Ainda havia o efeito psicológico e o emocional. Mas o ônibus parou na fronteira com o Peru e foi o fim da explicação.


As folhinhas de coca

Na fronteira, passamos pela imigração bolíviana para registrar a saída do país, atravessamos uma ponte a pé e já estávamos no Peru. Passamos pela imigração peruana para conseguir o visto de entrada. Mais uma vez, apenas os passaportes são carimbados e ninguém pediu a maldita carteirinha de vacinação.

Ali mesmo trocamos dinheiro pela melhor cotação da viagem (1 Dólar = 3,25 Soles) e experimentamos a famosa Inka-Cola, o refrigerante oficial do Peru.


Inka Cola: A cor é de urina e o rótulo ainda diz que é "O Sabor do Peru"

Seguimos viagem, passando por cidadezinhas que pareciam mais ruínas. As casas não tinham nem reboco nem pintura, limitando-se a paredes de tijolos e um teto de metal, que deve transformar cada sala de estar numa sucursal do inferno, com aquele sol batendo ali o dia inteiro. O povo ali é realmente muito pobre. Não vi mais que 3 ou 4 casas pintadas durante toda a viagem.

Dá pra saber em que região do país se está pelos outdoors de cerveja à beira das estradas. Parece que gostam de batizar as cervejas com o nome da região onde é fabricada. No fim do dia um cartaz da Cusqueña anunciava que estávamos próximos do nosso destino.

2 comentários:

Anônimo disse...

Em retribuição ao seu comentário no meu inútil Blog, faço aqui o meu: mal chegou e já foi comprar a típica toquinha, hein?

Humberto disse...

Ãhããã... então você provou o autêntico sabor do Perú, né?
A foto te incrimina!
(risos)
Qual/quando será o próximo?
Vamos marcar alguma trilha leve para desenferrujar as canelas !